quinta-feira, 18 de outubro de 2012

É preciso educar os corações

"Cérebros brilhantes também podem produzir grandes sofrimentos.
É preciso educar os corações."
[Dalai Lama]


Aquela era a hora em que Morfeu, o deus do sono, estaria gentilmente forçando as pálpebras das pessoas, a fim de fechá-las. Era mais fácil se agarrar a uma mitologia tão antiga como explicação provisória, do que assumir a própria irresponsabilidade para com os ritmos circadianos.

O balanço ritmado do ônibus e a escuridão generalizada pareciam facilitar o trabalho do suposto deus. De um lado, alguns carros passavam ligeiros, incidindo a luz dos faróis nos passageiros do ônibus. Do outro lado, a paisagem permanecia constante a maior parte do tempo, variando apenas em densidade de vegetação e possibilidade de visualização do céu, já sem estrelas.

Mas nem todos dormiam. Um bravo guerreiro lutava contra a vontade sobre-humana; se vestindo dos escudos, armas e armaduras da consciência. O fluxo de pensamentos o mantinha acordado, como a água corrente mantém um rio.

Lembrava-se do que viveu. De como a sua vida tinha mudado, em tão pouco tempo. De como havia se permitido. Se entregado, até.

Durante algum tempo, orgulhou-se de dispor de um infinito particular, o desvão recatado do cérebro, o impenetrável espaço-tempo de sua consciência. Um lugar livre de preconceitos e intrusos. Tão só, tão seu. Mas que, agora, recebia mais alguém.

Não sabia o que era aquilo. Se o eterno fogo que arde sem se ver ou a efêmera chama infinita enquanto dura. Não queria dinheiro, posses, sexo desmedido, nem elogios da sociedade. Apenas a simplicidade e a beleza de estar junto.

Então, Morfeu agiu com mais força; mas o guerreiro resistiu, ainda. Lembrou, então, das impossibilidades práticas e do terceiro elemento. Da necessidade humana de complicar e, ainda assim, se dizer simples. O inferno são os outros. My body is a cage.

Sentiu o tão conhecido e desagradável aperto no coração. Como alguém de quem gostava muito, podia ser a fonte de tanto sofrimento? A montanha-russa de sentimentos era extensa; mas, como tudo na vida, tinha fim. Assim que o carrinho parasse, seria escolha sua: abandonar ou permanecer?

Foi quando o rio parou. Com o impacto, o fluxo de pensamentos cessou. O céu veio abaixo. O silêncio reinou absoluto. Morfeu e Tânatos venceram.

3 comentários:

José Flauzino disse...

My body is a cage
That keeps me from dancing with the one I love
But my mind holds the key...

Isabel Jareno disse...

Vinícius, gosto muito de ler seus textos... Admiro como você tem "intimidade" com as palavras. Gostaria conhecer seu livro, onde posso encontra-lo?

Vinícius Rodovalho disse...

Oi, Isabel! Muito obrigado por ler os textos! Quanto ao livro, eu posso enviar um pra você. É só passar seu endereço por aqui: rodovalhovr@yahoo.com. Abraço!

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