domingo, 7 de agosto de 2011

O fim do mundo

O mundo vai acabar! – ouviu-se uma voz desesperada vinda da rua.

Um jovem triste compartilhava da conclusão, mas não do desespero. Sozinho, na sala de seu apartamento, ao som de rocks antigos e melancólicos, balançava pra lá e pra cá um copo de vinho tinto barato. Sem taça, sem nacionalidade, sem séculos de envelhecimento.

Lembrava de tempos em que estivera acompanhado. Bons tempos, boas companhias. Se acreditava no amor? "Claro", tinha vivido muitas das alegrias e decepções do amor. Se um dia encontraria a mulher perfeita, para todo o resto da vida? “Tomara”, repetia três vezes, por superstição. E teria filhos. Um casal, de preferência. Ambos os filhos jogariam xadrez, um deles tocaria violoncelo e o outro leria Dom Casmurro aos onze. Teriam uma casa, nem grande, nem pequena: suficiente. Mas seriam razoavelmente ricos, porque todo aquele trabalho compensaria. Contudo, as ilusões e demais expectativas para o Futuro tinham um espaço muito bem delimitado em sua mente – próximo ao espaço do que já passou – revisitado apenas quando necessário. Afinal, de fora, estava a vida. E um mundo em chamas.

Viu um grande e rápido relâmpago através da janela. Em seguida, um trovão estranhamente forte ecoou por todo o espaço. Sua reação limitou-se a encher o copo que, finalmente, havia esvaziado. Depois, ajeitou sua posição no sofá. Os barulhos, vindos de fora, eram cada vez mais altos e caóticos.

A despeito das inconstâncias do amor, em sua vida, sempre tivera muitas amizades. Duradouras, efêmeras, próximas, distantes, especiais. Uma delas, em particular, moldara o seu comportamento em relação a todas as outras. Tomou mais um gole de vinho e mergulhou na vida, pois “recordar é viver”.

Um boneco sem uma das pernas contemplava toda a floresta de gramíneas de cima de sua torre. Não era um pirata. Era algo entre super-herói e policial. Esperava que, a qualquer momento, surgisse da floresta o Grande Vingador. Que talvez fosse um deus grego. Ou apenas algum herói. O Vingador sairia de sua mansão improvisada a partir de pedaços quaisquer de madeira, atravessaria a floresta de gramíneas (talvez, tivesse que atravessar o córrego de lama) e, finalmente, subiria à torre para cumprir seu...

Cabum.

“Sua mãe tá te chamando.”


Cabum.

Uma amizade da infância que terminara de modo inesperado. Nem morte, nem doença, nem mudança, nem briga. Bobagem. Terminara por uma bobagem tão desprezível, que até lhe fugia da memória. O que foi mesmo que os tornara distantes? O que foi mesmo que apagara os telefones, endereços e demais contatos das agendas mentais?

Cabum.

O fim inexplicável o tornara questionador. Nunca mais deixaria que qualquer mal-entendido reinasse soberano. Nunca mais perderia gratuitamente coisas importantes na vida. Ao menos, lutaria. Ao menos, choraria.

Cabuuuum.

Algo atingira o prédio. Sem querer, derramou um pouco de vinho.

– Droga! – exclamou. – Nem no fim-do-mundo essa sala fica limpa!

Abandonou delicadamente o copo e caminhou rumo à janela. O que viu foi um espetáculo. Fogo devorava casas e prédios inteiros. O céu era frequentemente cortado por rajadas de raios multicoloridos. Os carros estavam, em sua maioria, de cabeça para baixo. (Por isso não ouvia mais buzinas). Árvores tombadas, lixo revirado, outdoors intactos. Os semáforos revelavam a loucura colorida daqueles tempos, num verde-amarelo-vermelho indefinido e, por vezes, simultâneo. Os pedestres ocupavam as ruas, correndo afoitos. Seres – teoricamente – humanos confundiam-se com o lixo. Apenas alguns caminhavam tranquilos: a dona Corrupção, em seu silêncio; o senhor Orgulho, em sua elegância; o ilustríssimo Preconceito, em sua agilidade... E um profeta do tempo, em trajes largos, declamando, feliz: “EU AVISEI!”.

Sim, o mundo iria acabar. E o que viria depois?

De repente, a garrafa de vinho explodiu.

"No seio mesmo da tragédia sinto o fermento da meditação crescer. Não tenho dúvida de que poderosos artistas surgirão das ruínas ainda não reconstruídas do mundo para cantar e contar a beleza e reconstruí-lo livre. Pois na luta onde todos foram soldados - a minoria nos campos de batalha, a maioria nas solidões do próprio eu, lutando a favor da liberdade e contra ela, a favor da vida e contra ela - os sobreviventes, de corpo e espírito, e os que aguardaram em lágrimas a sua chegada imprevisível, hão de se estreitar num abraço tão apertado que nem a morte os poderá separar. E o pranto que chorarem juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal-entendido."
VINICIUS DE MORAES

"Todo o fim é contemporâneo de todo o princípio; só a nossos olhos vem depois."
AGOSTINHO DA SILVA

9 comentários:

Luiza Muniz. disse...

Legal!!

Luiza Muniz. disse...

Legal!!

Vinícius Rodovalho disse...

Não, Luiza, seu comentário não foi legal.

Samara Santos disse...

Espero que o meu seja. bem.
enfim, pelo menos eu li todo.
Vamos as deduções. sim claro!
Amei o jogo textual, a forma como varia metaforicamente uma coisa e a torna ao mesmo tempo tão certa de que existe. E se o fim do mundo estiver mesmo acontecendo? claro que está! o mundo acabou faz tempo, quando nós humanos, que temos tudo, menos humanidade, fizemos de nosso lá, uma guerra, do qual todo saem perdendo no fim. ;X

Wanderly Frota disse...

Sabe, é notório como há diferentes idéias sobre fins. Eu fiquei imaginando as cenas descritas, todo detalhe que minha mente conseguiu criar... Acho que deveríamos ser assim, sentir paz em meio as tempestades, conseguir tranquilidade interior em meio as desilusões; o que é um grande desafio.
Tudo se torna tão mais difícil quando somos rodeados pelo medo, não é verdade?!
Encarar as coisas da vida (até mesmo o fim dela) de forma segura e plena é um verdadeiro dom.
Adorei.

Garotas do Século (Gabi) disse...

bom, está bem escrito. mas ainda não tenho um 'comentário' formado .. é meio impactante o texto, porém bem elaborado! Parabéns.

Vinícius Rodovalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Felipe Aldemir disse...

Demorei a ler mais gostei do blog .-.'
Histórias legais, estou seguindo quero ver os proximos posts! Pra mim o mundo não vai acabar.. Mais tem muitas pessoas que acreditam nissso, gostei muito do blog estou seguindo se quiser seguir o meu, talvez você já saiba o endereço!

Nasser Pena disse...

“Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida.” Heráclito de Éfeso

Esta é uma das minhas frases preferidas do célebre pai da dialética, e eu penso que ela se encaixa perfeitamente numa das ideias tratadas no seu texto, impecável como sempre.

Postar um comentário

Rebusque sua opinião.