segunda-feira, 13 de junho de 2011

O artifício dos parênteses (III)

Leia também o início e o meio 
que conduziram a este fim.

(...)

De repente, a porta se abriu. Ele ia saindo cabisbaixo do consultório. O médico, atrás, ia fechando a porta com ares de “poxa!”. E a mulher da sua vida caminhava em sua direção, transbordando esperanças.

– Como foi?

– Cansativo. Perguntas demais. Você poderia fazer a gentileza de não me fazer mais perguntas por alguns minutos? Não suporto mais essa entonação de quero-mais, sabe?

– Sim, mas... por quê?

Ele estava claramente triste, apesar da suposta hostilidade. Estava mais cansado que bravo. Tinha mais vergonha que raiva. Não que não suportasse entonações específicas, como apregoava; mas que preferia, naquele exato momento, apenas dormir.

Ela também experimentava sentimentos decrescentes. Ao passo que ele decrescia em realidade, ela via a sua fé diminuir a cada consulta, a cada comportamento, a cada visão do amado. Aquele moço lindo, engraçado e único, de outros tempos, vinha se tornando excêntrico demais.

Os parênteses que a amada antes adicionava à vida, repletos de eufemismos e gracejos, agora povoavam as notas de geladeira, especificando horários de consultas e medicamentos. O que antes era um efeito de rotina, uma cor a mais na vida, transformara-se em símbolo não-metafórico.

(Um mero par de caracteres.)

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