segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um fatídico quando

A um amigo
recém-descoberto
exímio filósofo.

Aquela fatídica tarde de Julho, afixada na sexta-feira treze de um calendário qualquer, haveria de povoar as mentes dos envolvidos por todo o futuro que ainda lhes restava, como uma maldição: “tua estirpe não produzirá um membro que não recorde este dia; ele viverá para sempre, incrustado no sangue que corre e correrá nestas e naquelas veias.” Como se pode lembrar sem que se tenha vivido? Como relembrar, se nunca se lembrou, se nunca celebrou? – Eis algumas das questões que aquela tarde suscitou.

Era um último passeio por aquele labirinto literário e didático. Não o derradeiro dos derradeiros, apenas o último de um ciclo. Mas, por apego às coisas pequenas, não poderia deixar de dramatizar. Sentia a nostalgia que uma pessoa normal teria sentido em seu último dia de vida. Sem "mil rosas roubadas".

Caminhava lentamente, pelos corredores tão convidativos. É preciso silêncio, para o parto das ideias. Alheias, em sua maioria. Pois quem caminha não pare. Pois, quem caminha, não pare. Falar baixo, pisar leve, controlar a respiração. Ver as estantes se multiplicarem em silêncio. Compartilhar ideias concebidas pelo único orgasmo mudo que já se admitiu.

Ocasionalmente, janelas. Abertas, obrigatoriamente. Pois janelas fechadas são paredes. E o ar fresco, da chuva de muito tempo atrás, invadia o ambiente, as estantes, os livros. Rousseau e Nietzsche até já respiravam melhor. Foucault não teve a mesma sorte...

Pois bem, caminhante: que acontecimento gerou a maldição? O simples caminhar, o incessante caminhar. Tivesse parado e parido e... não farias diferença alguma: tudo estaria exatamente igual. Mas vejamos como tiveste acesso ao teu futuro, naquela fatídica tarde de... quando mesmo?

Um livro caiu, de repente. E a queda o abriu em certa página, não numerada, nem escrita. Mas o vento passou para a página seguinte. Fatídico e aleatório vento. Datilografada, a seguinte mensagem:

NUNCA SABERÁS QUEM ÉS. INDAGARÁS ATÉ MESMO SE FOI REAL O TEU ESFORÇO EM TENTAR DESCOBRIR-TE. INDAGARÁS SE O QUE TOCA OU SENTE NÃO É IMAGINAÇÃO. DUVIDARÁ DE TODOS OS TUDOS, ATÉ DAS PALAVRAS. DAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS. E O “CONHEÇA-TE A TI MESMO” NUNCA ESTEVE TÃO PERTO.

De tudo isso, uma dúvida restava, e era a suma de todas as dúvidas: aquele fatídico domingo, que abrigara aquele fatídico episódio, em uma fatídica noite de luar, era mesmo fatídico? Eis mais um questionamento aos filósofos. Sirvam-se à vontade.

Um comentário:

Jamile Gonçalves disse...

o livro caiu e quebrou o silêncio...

Postar um comentário

Rebusque sua opinião.