quarta-feira, 29 de julho de 2009

As flores e a revolução

Feliz por ter, mais uma vez, voltado.


Foi em uma memorável tarde de domingo, entre aves e palmeiras, ao som dos fiéis e ao lado dos pagãos, que encontrei Elis pela primeira vez. Fosse uma, fosse três, Elis valia mesmo era por duas. Mesmo sem Regina e sem voz. A moça, linda em sua discreta normalidade, segurava um ramalhete de flores que a amiga ganhara.

– Flores-de-Elis... – nomeava, sorrindo, orgulhosa.

Enquanto isso, a amiga abraçava o namorado. Dia dos namorados, devia de ser. A memória me falha e nem eu, nem Elis ligávamos para isso. Os historiadores que se importassem com datas. O nosso lance era a biologia do amor, a física dos corpos... E a botânica dos nomes, claro.

Aproximei-me sorrateiramente. Não sei se me descuidei demais ou se flor-de-Elis que era observadora mesmo. Deixou escapar um suspiro de frustração.

– Meu primeiro namorado vai sair de trás de uma moita?

– Hã? – dissemos.

Dissemos todos nós. O casal de namorados e eu também, saindo de trás do arbusto. Nem era tão moita assim, Elis. Nem era.

– Você tem muito que aprender, rapaz. – disparou ela. – Fique tranquilo: eu ensino.

Então, pegou-me pelas mãos e me arrastou pela praça, sem se despedir da amiga. O casal ficou olhando a gente sumir entre as flores. Os fiéis já até deixavam a igreja, e os pagãos se preparavam para entrar.

– Eu sou... – ia dizer.

– Deve ser mesmo. Mas “moço” é muito mais bonito. – contrapôs ela. – Combina mais comigo, entende?

Fiz que sim com a cabeça, mas menti. Jamais entendi a minha flor.

– Quando vai ser a revolução? – peguntou ela, durante a nossa caminhada.

– Que revolução?

– Vocês vão começar pela mídia ou pelo governo?

– Não gosto da mídia...

– Então, pela mídia. Faça o difícil primeiro, que depois só resta o fácil...

– Difícil seria fazer o difícil primeiro e o que restar nem ser fácil...

– Mas o fácil é fazer do difícil o fácil. Em todo caso, comece pelo governo.

– Aí, teríamos de fazer o fácil primeiro, e então restaria o difícil para o fim...

– Moço, deixa de ser difícil... Tô vendo que fácil vai ser eu mesma fazer o difícil...

– Hã?

– Deixe com a flor aqui.

Flor fez a revolução. Não começou nem pelo governo, nem pela mídia. Começou por mim, que não era fácil nem difícil. Foram meses de encontros. Na praça, no cinema, na igreja, na moita. Flor rezava. Pedia um pai-nosso de cada dia para a mãe-dela de cada semana. E só. Se acreditava no padre ou no pastor, se temia o pecado e o inferno, jamais saberia. Apenas comentara, uma vez, sobre o respeito que tinha pelo deus das flores. Deus dela, afinal.

– Venha me ver amanhã. – pediu ela, depois da visita à moita.

– Aqui?

– Não, na praça do primeiro encontro.

– Por quê?

– Acredito na necessidade de simetria entre o início e o fim...

– Hã?

– É.

Fui. Andei bastante pela praça. Flores tinha muitas, mas nenhuma de Elis. Caminhei até o casal de amigos, que parecia nem ter se movido dali, desde aquele dia dos namorados.

– Vocês viram Elis?

Quem?

A moça que estava segurando o ramalhete para vocês, no dia dos namorados...

– Só pode ser uma brincadeira! – zangou-se o moço.

Hoje é o dia dos namorados... – destacou a moça.

– Agora, se ninguém te quis, ao menos não atrapalhe os casais que deram certo! – ralhou o moço.

Que consideração, aqueles dois. Esquecer assim de Elis! Eu nunca esqueci. Jamais esquecerei, enquanto essas minhas células ainda processarem todo esse metabolismo... É possível mesmo que a leve para além da vida, para além da organicidade...

Começava a me preocupar, quando tive a ideia de checar a moita. Se Elis não estivesse ali, teria me deixado. Sorri de orelha a orelha ao ver a moita se mexendo. Lá estava Elis. Só não contava com aquele Girassol...

– Elis! – pronunciei. – Achei que me amasse!

Ele se assustou. Ela apenas me olhou com atenção.

– Eu te amei, moço. – respondeu, séria. – Mas já passou...

– Então, por que me chamou? – indaguei, segurando um turbilhão de lágrimas.

– Só pra preservar a simetria no fim... – disse, virando-se para o seu novo moço.

A revolução fora silenciada. Não pela mídia, nem pelo governo.

15 comentários:

Astréia disse...

Olá Vinícius!

Quando vi seu comentário fiquei a me questionar se era você,rs...O que é o poder da imagem!Lembro do seu nome,mas tenho gravado em minha mente sua outra imagem, aparentemente mais maduro, nessa foto vc está mais jovem. Porém, vamos ao que interessa,o post é bem intenso. Me lembrou "O Pequeno Príncipe" numa versão amor platônico não correspondido ou se correspondido, passageiro, se é que posso dizer assim. As partes que mais gostei foram: "Acredito na necessidade de simetria entre o início e o fim..." e "É possível mesmo que a leve para além da vida, para além da organicidade...".

Obrigada pelo comentário e, volte sempre, seus comentários são ricos. :)

Michel Domenech disse...

Cara, que grata surpresa ver um comentário teu no meu blog. Andava sumido, mas voltasse em grande estilo, com um belo escrito.
Não sei se o que vi no teu texto foi uma visão pessimista acerca do amor, creio que seja real, afinal a verdade prescinde de beleza. Creio que o amor não tenha sido feito para durar pra sempre, porém como disse o poeta: "seja eterno enquanto dure". Às vezes, as pessoas não seguem as leis da evolução, pelas quais nós somos os seres que se adaptam, desse modo, querem que os sentimentos se adaptem a eles, porém isso é impossível, pois o amor assumirá outras formas com o passar do tempo, mais brandas do que a inicial, sendo assim cabe a nós usufruirmos dessa nova espécie ou partirmos para outra, incessantemente, em busca da forma inicial de amor. Um abração.

Michel Domenech disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Olá, Vinícius!

Senti a sua falta.Você andava meio sumidão. Pode não! :)

Muito bom o texto e linda a imagem. Você, como sempre, rebuscando a nossa consciência e nos fazendo refletir! (rsrsrsrsrs)

Abração!

Pedro Antônio

Fabio Christofoli disse...

Faço coro a todos: que bom que voltou.
Nós, caçadores e apreciadores de bons texto na internet sentimos mta falta.
E que recomeço, mais um capítulo de suas criativas narrativas...
Que desfecho!

Parabéns, este blog não pode parar! Você, eu e todo mundo concordamos com isso.

abraço

Unknown disse...

Primeiramente, gostaria de agradecer o comentário que foi muito bom mesmo.
Agora comentando... rsrs
Achei a linguagem do texto extremamente poética, embora o texto esteja escrito em prosa tem as palavras "rebuscadas" e com vida própria, de modo que cada linha faz sentido por si mesma.

Adorei a história, meio triste, mas a vida é assim mesmo, cheio de ciclos que não tem começo e fim, apenas existem...

Marcelo A. disse...

Salve, Vinícius! Fazia tempo, cara!

Texto caprichado, como sempre! Gosto demais do jeito que escreve, das figuras que cria, de como brinca com as palavras...

Achei esse post meio lisérgico... Uahahhahahhhahaa!!!!

Abração!

Bruno de Abreu disse...

boa volta!

Jaya Magalhães disse...

Boa volta!

Jaya Magalhães disse...

Rá!

Levou um susto, né? Hauhauhauhau.

Venichu,

Eu lembro desse texto. De como achei tudo tão... Louco. Longe. Outro mundo. Ideias estranhas. Sentimentos irreais. E ainda assim acaba me trazendo uma coisa boa, sabe?

São tuas letras. Teu jeito de escrever, que é diferente de todo mundo. Eu sinto falta de te ler. E isso é uma certeza irrevogável. Rs.

Um beijo.

Xubis D. disse...

Oi, Vinicíus!
Quanto tempo, não?
Amei o texto, você escreve cada vez melhor. E sempre com seu estilo, único e maravilhoso...

Olha, sobre Harry Potter: acompanhei a história dele desde os oito anos. É lindo, magnifíco e deslumbrante. É um livro infanto-juvenil, mas eu amo. É absolutamente surpreendente, e até hoje fico impressionada como J.K.Rowling conseguiu escrever mais de três mil páginas, todas interligadas, com detalhes que são pistas e pistas que são detalhes.
Recomendo bastante, só não sei se faz muito o seu tipo de livro...
enfim...

Beijos da Lu!

Ademerson Novais disse...

Muito delicioso ler tuas palavras cara..envolve poesia...textos...emoçoes...e um final digno de um escritor...

Parabens


Ademerson Novais de Andrade

Lari Reis disse...

Lindo!
Confesso que meu conceito de beleza é bem restrito, principalmente quando a beleza é traduzida por palavras.
Adorei o texto. Muito bem escrito. Exige bastante criatividade e eu aprecio muito isso porque a minha falta de criatividade me limita.
Textos como esse me servem de inspiração. Obrigada! ^^

;D

Lorran disse...

Ai eu adoro esse texto !Lembro do dia em que me mostrou ele :)
Beiijos no core Venichu

SenhOr dO nAdA disse...

Quantos misterios guardam as revoluções não é mesmo? Estourando ou não elas fazem grandes agitos. A querida Elis me tocou, entendi ela como uma responsabilidade, ou uma ação, afinal ela criou uma revolução no meu peito e me deixou a ver navios e não enxugou minhas lagrimas, assim como nao enxugou as do jovem autor. Belo texto, me fez refletir (e olha que sou exigente). Parabéns Venichu, um abraço.

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